A Receita Federal decidiu que, em parcerias entre escritórios de advocacia, cada sociedade deve tributar apenas os honorários que efetivamente lhe couberem.

No universo jurídico, a colaboração entre escritórios de advocacia é uma prática tão antiga quanto a própria profissão. Seja pela necessidade de expertise em áreas distintas ou pela simples indicação de um colega de confiança, as parcerias são o pão de cada dia para muitos advogados. Contudo, a forma de tributar os honorários resultantes dessas colaborações sempre foi um terreno pantanoso, gerando insegurança e, por vezes, distorções.

Recentemente, uma luz foi lançada sobre essa questão. Ao me deparar com a notícia “Receita Federal define tributação de honorários em caso de parcerias”, confesso que senti o mesmo arrepio que muitos colegas sentem ao ver a palavra “define” vinda de um órgão fiscalizador. A primeira impressão é sempre a de que uma nova complicação vem por aí.

Felizmente, desta vez, a surpresa foi positiva. A leitura atenta da Solução de Consulta COSIT nº 161, de 2025, revela um entendimento não apenas lógico, mas alinhado com a realidade da advocacia moderna e, ouso dizer, justo para com os contribuintes.

A Essência da Decisão: Cada Um Paga Pelo Que Recebe

A grande questão sempre foi: se um escritório A recebe o valor total dos honorários e repassa uma parte para o escritório B, que atuou em parceria, o escritório A deve pagar impostos sobre o valor total ou apenas sobre a sua parte? A dúvida, que por anos alimentou discussões e diferentes práticas contábeis, foi finalmente endereçada pela Receita Federal.

Em sua decisão, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) foi clara:

Na apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) pelo regime do lucro presumido, a sociedade de advogados poderá reconhecer como receita bruta própria apenas a parcela dos honorários que lhe couber, conforme estipulado em contrato previamente firmado. O valor repassado ao parceiro indicante poderá ser desconsiderado, desde que observadas as disposições da legislação tributária vigente e as normas estabelecidas pelo conselho profissional acerca dessa modalidade de parceria. [1]

O mesmo racional foi aplicado para a CSLL, o PIS e a Cofins. Em suma, a Receita Federal reconheceu o óbvio: a receita bruta de uma sociedade de advogados é aquilo que efetivamente ingressa em seu patrimônio como remuneração por seus serviços. O valor que é mero repasse a um parceiro não compõe a sua receita, mas sim a receita do parceiro que o recebeu.

É crucial entender que essa decisão da Receita Federal não surgiu do vácuo. Ela está solidamente ancorada em uma alteração legislativa fundamental promovida pela Lei nº 14.365/22, que modernizou o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94).

Essa lei incluiu o § 9º no artigo 15 do Estatuto, que passou a ter a seguinte redação:

§ 9º A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia deverão recolher seus tributos sobre a parcela da receita que efetivamente lhes couber, com a exclusão da receita que for transferida a outros advogados ou a sociedades que atuem em forma de parceria para o atendimento do cliente. [2]

A Solução de Consulta, portanto, nada mais faz do que aplicar e dar contornos práticos a um comando que já estava na lei maior da advocacia. A Receita, nesse caso, não “definiu” um conceito novo para “sacrificar o contribuinte”, mas sim interpretou a legislação de forma harmônica e sistêmica, alinhando a norma tributária à norma profissional.

Nossa Visão: Um Avanço para a Advocacia

Diferentemente de outras batalhas conceituais travadas com o Fisco, aqui, a concordância é plena. A decisão é um marco de segurança jurídica e um reconhecimento da forma como a advocacia de fato opera.

Insistir na tributação do valor total sobre o primeiro recebedor seria criar uma ficção jurídica e econômica. Seria ignorar a existência de um contrato de parceria, lícito e regulamentado pela própria OAB (como se vê no Provimento nº 204/2021 [3]), e onerar indevidamente um dos elos da cadeia de prestação de serviços. A parceria não é uma subcontratação comum; é uma colaboração horizontal entre pares.

O entendimento da Receita Federal prestigia a realidade dos fatos e a autonomia da vontade das partes, que, ao firmarem um contrato de parceria, definem a quota de remuneração de cada um. Tributar cada sociedade pela sua receita efetiva não é um benefício fiscal, mas a aplicação correta do conceito de receita bruta.

Desafios Operacionais no Horizonte

Naturalmente, a decisão, apesar de acertada em seu mérito, não resolve todas as questões práticas. Como bem apontado pelo próprio artigo do portal Migalhas, a Receita não avançou em temas operacionais cruciais.

Desafio Operacional Descrição do Problema
Emissão de Notas Fiscais Como emitir a nota fiscal? Pelo valor total, com uma glosa interna, ou cada parceiro emite sua própria nota ao cliente final? A segunda opção parece mais limpa, mas nem sempre reflete a relação comercial estabelecida com o cliente.
Retenção na Fonte Como fica a retenção de tributos (IRRF, CSLL, PIS, Cofins) quando o tomador do serviço é uma pessoa jurídica obrigada a reter? A retenção sobre o valor total pode gerar um problema de dupla retenção e complexidade na compensação.
Impostos Municipais (ISSQN) As administrações tributárias municipais seguirão o mesmo entendimento? A falta de uma norma nacional sobre o ISSQN pode gerar divergências e bitributação.

Esses são pontos que ainda demandarão regulamentação e, possivelmente, novas discussões. Contudo, são questões de “como fazer”, e não de “o que fazer”. O mérito da questão, a nosso ver, está corretamente decidido.

Conclusão

A Solução de Consulta COSIT nº 161/25 é um exemplo de como a administração tributária pode e deve atuar para conferir clareza e previsibilidade às relações econômicas, em vez de apenas buscar a ampliação da base arrecadatória a qualquer custo. Ao alinhar-se com a legislação profissional e com a realidade das parcerias na advocacia, a Receita Federal deu um passo importante para a justiça fiscal no setor.

Cabe agora aos advogados e suas sociedades, com o apoio da OAB, buscar a melhor forma de operacionalizar essa nova diretriz e trabalhar junto aos municípios e demais órgãos para que os desafios práticos sejam superados. A decisão de mérito, no entanto, merece ser celebrada como um avanço, um raro momento em que a lógica e a justiça prevaleceram de forma clara na complexa seara tributária brasileira.

Referências

[1] Receita Federal do Brasil. (2025). Solução de Consulta COSIT nº 161, de 8 de setembro de 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/9/E2E62B67BF6203_SCCosit16125.pdf

[2] Brasil. (2022). Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022. Altera as Leis nºs 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), e 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para incluir disposições sobre a atividade privativa de advogado, a fiscalização, a competência, as prerrogativas, as sociedades de advogados, o advogado associado, os honorários advocatícios, os limites de impedimentos ao exercício da advocacia e a suspensão de prazo no processo penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14365.htm

[3] Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. (2021). Provimento Nº 204/2021. Regulamenta a forma de comprovação da prestação de serviços advocatícios por advogados e sociedades de advogados. Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/204-2021