A Receita Federal definiu que os honorários de sucumbência devem ser tratados como prestação de serviços para fins de tributação no Simples Nacional

Figura totalmente atípica no Direito brasileiro é o famigerado Honorário de Sucumbência do qual ninguém quer pagar.

Na verdade ninguém quer pagar honorários advocatícios nenhum, nem mesmo ganhando a causa! Imagine perdendo e tendo que reembolsar seu oponente? É uma conta amarga de pagar.

Bem… isso não importa agora. O que importa é: Qual é o conceito jurídico real do Honorário de Sucumbência?

Esse texto surge de um artigo que encontrei algumas semanas atrás: Receita Federal define Honorários de Sucumbência para Sociedades de Advogados.

Quando qualquer advogado vê uma notícia com essa palavra “define” por um Órgão Público já tem um frio na espinha: Lá vem confusão.

E não deu outra, depois que eu li o artigo, percebi que é mais uma conceituação para sacanear o contribuinte.

A discussão e as dúvidas dos honorários de sucumbência como prestação de serviços

Veja bem. Há tempos temos essa discussão de que os honorários de sucumbência devem ou não serem lançados como uma prestação de serviços com emissão de Nota Fiscal.

Em resumo temos essa corrente e a corrente que é entende que os honorários devem ser lançados como ganho de capital da Pessoa Jurídica, corrente ao qual me filio.

A primeira corrente, da nota fiscal, tem um problema, uma sequência de dúvidas que vem se concatenando:

  • E essa nota fiscal vai para quem?
    • Para meu cliente ou para o sucumbente?
      • Mas como meu cliente vai justificar esse desembolso se o dinheiro saiu do bolso da outra parte?
        • E como eu vou emitir uma nota fiscal para a outra parte se ela nunca me contratou para a prestação de um serviço?
          • E se a outra parte for um órgão público, vou tirar uma Nota Fiscal de prestação de serviços para o INSS por exemplo?

Vamos atacar esses pontos logo mais…

A dúvida “sanada”

E agora, surge mais uma dúvida, que foi “esclarecida” pela Receita Federal: O valor do faturamento dos honorários advocatícios contam para a movimentação de faixas de alíquota tributária do Simples Nacional?

Obviamente a Receita diz que sim na COSIT 216/2024 - Solução de Consulta da Receita Federal => LINK

Os valores recebidos por sociedade de advogados a título de honorários de sucumbência são produto da prestação de serviços advocatícios e, por isso, compõem a receita bruta sujeita ao Simples Nacional.

O advogado que fez a consulta tentou dizer que os valores “não representariam receita bruta oriunda da prestação de serviço”. Invocou o art. 3º, §1º, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e art. 2º, II, da Resolução CGSN nº 140, de 22 de maio de 2018, que conceituam a receita bruta da atividade como “o produto da venda de bens ou serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.”

A Receita por sua vez estudou os dispositivos do Código de Processo Civil e o Estatuto da OAB para chegar a conclusão que os honorários de sucumbência surgem pelo trabalho do profissional do direito, sendo irrelevante serem vinculados à pessoa física ou a uma pessoa jurídica (sociedade de advogados) passarei a transcever o trecho da Consulta aqui por ser essencial ao entendimento:

O recebimento dos honorários sucumbenciais pela sociedade de advogados, esteada no art. 85, §15, do Código de Processo Civil, decorre da prestação dos serviços profissionais dos sócios, assim como ocorre nas demais sociedades de profissionais. Portanto, opera-se apenas uma transmutação do produto da atividade remunerada: de rendimento da pessoa física para receita da pessoa jurídica.

O principal argumento trazido pelo consulente para retirar o recebimento de honorários de sucumbência do conceito de receita da prestação de serviço seria a origem atípica dos pagamentos, que não são efetivados pelo cliente contratante, mas por terceiro com posição contrária a esse. Não haveria um serviço prestado ao sucumbente.

Em que pese a origem do pagamento, há uma correlação inequívoca entre o recebimento dos honorários de sucumbência e o esforço do advogado que atua em nome da sociedade no patrocínio da causa do cliente. A sucumbência da parte contrária só ocorre em função da atuação da sociedade profissional, da prestação de um serviço. Logo, a receita deriva justamente da atividade principal dessa sociedade, não podendo se quer ser caracterizada como “outras receitas”. A verba em questão é fruto do trabalho intelectual, quer seja ela recebida pela pessoa física do advogado ou pela pessoa jurídica, sendo irrelevante se o pagamento deriva de uma obrigação contratual ou legal.

O serviço de advocacia, do qual resulta o recebimento da sucumbência, está contemplado no item 17.14 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que dispõe sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e na Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18, § 5º-C, inciso VII, que trata do Simples Nacional.

Não pode prosperar a tese do consulente de que os honorários de sucumbência não se enquadram no conceito de produto da venda ou da prestação de serviço (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 3º, §1º), já que, conceitualmente, “produto” é o resultado de uma atividade. No caso, a atuação da sociedade profissional que patrocina a causa vencedora. Os honorários de sucumbência, assim como os contratuais, são o produto da prestação de serviços advocatícios

A receita obtida pela sociedade profissional a título de honorários de sucumbência não se enquadra em uma das hipóteses de exclusão da receita bruta relacionadas no §5º do art. 2º da Resolução CGSN nº 140, de 2018, portanto, não há previsão legal para deixá-la de fora da composição da base de cálculo do Simples Nacional.

Resta evidente que a conceituação da Receita é que existe uma prestação de serviços tanto nos honorários contratuais como nos honorários de sucumbência.

A nossa visão

Discordo do entendimento.

O serviço advocatício já foi contratado entre o cliente e seu advogado que serviço será esse com relação ao oponente do cliente que o advogado não tem absolutamente nenhuma relação.

Entendendo o conceito jurídico tributário, vemos que Paulo de Barros Carvalho conceitua o fato gerador do tributo de prestação de serviços da seguinte forma:

Prestar serviços é atividade irreflexiva, reivindicando, em sua composição, o caráter de bilateralidade (…). E mais, é imprescindível que o contrato bilateral tenha conteúdo econômico, fixando-se um preço em contraprestação à utilidade imaterial fornecida pelo prestador (…). A mais desse fator. É forçoso que a atividade realizada pelo prestador apresente-se sob forma de obrigação de fazer (…) (Trecho de cópia de parecer ora juntado).

Nenhuma dessas situações ocorreu:

  • O contrato não é bilateral: Não ha vínculo entre prestador de serviços e o suposto tomador de serviços;
  • Não existe manifestação de vontade, a sucumbência é um fato jurídico;
  • Inexistência de prestação de serviços: O serviço é prestado entre cliente e advogado e não ao terceiro, que sofre uma espécie de punição;
  • Indetermináveis: Os honorários de sucumbência ainda são indetermináveis, eles não surgem em todos os processos, mas dependem do sucesso do processo e não da prestação do serviço em si, variando conforme caso a caso;
  • Iliquidez: Além disso, não é possível prever de antemão seu valor, o que os torna mais incertos ainda e há muitas variavéis no CPC com base no valor da causa, condenação e das próprias partes envolvidas (diferença se for um litígio contra a Fazenda Pública por exemplo);

Desta forma, ainda mantenho o etnendimento que eu já venho defenendendo há muitos e muitos anos, de que os honorários de sucumbência são receitas, são sim tributáveis, porém, não podem entrar em um conceito de prestação de serviços e nós não podemos emitir uma nota de prestação de serviços neste sentido.

Agora, quanto ao entendimento da Receita, se é ou não enquadrável no cálculo do Simples Nacional, também entendo que neste caso, como não se enquadra em um conceito estrito de Prestação de Serviços e a Lei fala estritamente: Prestação de Serviços não há como ser considerada na base de cálculo do Simples Nacional no Anexo IV uma vez que a legislação não trata do assunto.

O que fazer então?

O que podemos fazer é declarar essa receita como uma receita tributável na nossa pessoa jurídica e pagar os tributos correspondentes a isso de acordo com cada tipo de sociedade.

Entretanto, essa é uma situação complexa que ainda não foi enfrentada definitivamente pelos tribunais brasileiros e existe um risco em executar essa declaração e enfrentar um processo administrativo na Receita Federal, o que poderá ser discutido judicialmente e só então teremos uma visão definitiva do Judiciário sobre o tema.

Outra opção é o ingresso de uma ação declaratória para sanar o entendimento.

Conclusão

A sucumbência é um fato atípico do direito nacional de difícil conceituação, um fato jurídico que surge de um ônus processual. Segue regras específicas, mas seguindo o princípio da estrita legalidade tributária, não se trata de uma prestação de serviços, mas de uma receita atípica, ainda assim, a Receita Federal deseja manter a tributação, como sempre, porém cabe a nós defendermos os interesses pessoais frente à fome do Fisco. A Receita não detém a última palavra com relação a essas situações.